Envelhecer não é só perder força muscular e, consequentemente, ter a pele menos flexível. Assim sendo, o que há de importante no envelhecer é a mudança que ocorre na relação do eu (corpo e pele) com o mundo.
Quando a intensidade do querer vai diminuindo, muitas mudanças ocorrem ao mesmo tempo. Quando o meu querer é menos intenso, vou dando importância cada vez menor a conseguir o que não está diretamente ao meu alcance.
Quando eu quero com força, estou dando uma importância grande ao que não tenho e dizendo ao mesmo tempo que acredito na possibilidade de vir a ter o que estou querendo.
Junto com o enfraquecimento do "querer" também enfraquece a força da esperança. Viver sem esperança é difícil. Para não doer muito essa falta, diminuo essa sensação de querer.
É sempre importante acreditar que vale a pena esperar.
A gente batalha quando prevê a possibilidade de conseguir. Neste lugar está o receptáculo da consciência. Preciso acreditar que sou capaz de querer isto com tanta força que passo a acreditar que vale a pena; que vai ser bom "pra mim".
Muitas vezes queremos conseguir para diminuir a angústia do vazio; muitas vezes queremos vitória apenas para nos sentirmos fortes. Outras inúmeras vezes queremos paz, tão somente. Todo esse sobe e desce está em quanta energia coloco no querer e na batalha para conseguir.
Tudo isso depende do quanto do tipo de energia que coloco no querer e na luta para conseguir. Nada disso ocorre quando a confiança em mim mesma está abalada. É complicado ter fé nas minhas possibilidades, na minha competência e no valor do prêmio - objeto da fé.
Quando a gente é criança, não se conhece bem. Mede-se mal a competência na adolescência; com o tempo, vamos aprimorando a percepção de si e do mundo. Chamarei de maturidade o equilíbrio do que é a consciência da memória que temos do resultado das lutas já empreendidas e de tudo o que essa batalha ininterrupta nos ensinou.
É preciso uma boa dose de autoconhecimento para vencer. Preciso ver se a luta vale a pena. É preciso ver se a luta vale o valor do prêmio - objeto da fé.
Do começo da vida, em que mais perdemos do que ganhamos, vamos até a sabedoria do envelhecimento. É a linha seguida pelos que não morrem cedo. Morrer cedo é perder a chance de terminar a tarefa que nos coube no bem viver. Morrer cedo é deixar a tarefa individual inacabada. Lutamos, perdemos e também ganhamos na sabedoria do envelhecer bem vivido. Envelhecer bem é lembrar tudo aquilo que se aprendeu vivendo.
Envelhecer bem é dar risada das rugas - traços do envelhecimento.
· Anna Veronica Mautner - Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e escritora
Folha de S. Paulo, 9 de nov. de 2018.
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